sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Viagem Sem Destino



Uma noite insone é apenas mais uma noite para mim. O silêncio da madrugada que tranquiliza
a muitos, a mim atormenta! Sempre tive problemas para dormir. Sempre existiram coisas que inquietavam minha mente nos momentos em que eu tentava não pensar em nada. No colegial, os alunos que buscavam por atenção agindo como figuras estereotipadas de um filme adolescente norte-americano me irritavam. Sentia vontade de perguntar-lhes o porquê das suas atitudes clichês e de tamanha necessidade de aceitação de terceiros. Só não o fazia porque no fundo eu sabia que eles não teriam resposta e ficariam me olhando, como se eu fosse alguém ranzinza e antissocial. Cresci e as coisas não mudaram muito. Continuava me sentindo da mesma forma em relação às pessoas na faculdade e isso não melhorou nada no emprego.
Nesta noite insone, era 2h00 da madrugada e eu estava em um quarto de hotel barato. O quarto cheirava a mofo e as paredes eram úmidas. A mobília era tão velha quanto a mulher que estava na recepção quando cheguei. Eu devia ser o único hospede naquela noite. Na verdade, acho que eu era o único hóspede há meses. Para mim, aquilo estava ótimo, quanto menos eu precisasse dar bons dias e receber sorrisos de pessoas que eu nunca vi na vida, melhor!
          Como era uma cidade pequena, me perguntei se teria algum bar aberto àquela hora da madrugada. Peguei meu casaco e saí mesmo sem ter certeza se encontraria algo. Eu precisava beber. Quando eu o fazia, as pessoas pareciam mais aceitáveis; o clima de boa vizinhança das pessoas parecia mais sincero. Nunca bebi para fazer arruaça. Bebia porque, às vezes, um homem só precisa de uma garrafa, um copo e ele mesmo como companhia.
Andei por um bom tempo, mas no fim encontrei um bar ainda aberto. Entrei. No canto havia um cara beirando os 55 ou 60 anos, ele estava debruçado em cima da mesa, dormindo. Depois fiquei sabendo que aquilo acontecia todos os dias da semana. Indaguei a mim mesmo se aquele homem não seria eu daqui alguns anos.
Pedi uma bebida e fiquei ali sentado. Quando me serviu, o balconista; que já era um senhor e também deveria ser o dono do bar; comentou que nunca tinha me visto na cidade. Respondi que eu estava só de passagem.
- E qual é o destino do amigo? – me indagou, em um tom amigavelmente interessado.
- Não sei, também. Só estou seguindo um caminho que acho que devo seguir.
- Não tem um plano? Isso não é muito bom nos dias de hoje.
- Não. Mas o que é realmente bom nos dias de hoje? – perguntei, com um tom meio áspero, que só me dei conta mais tarde.
- Viajar com a família, por exemplo. O senhor tem família, não tem? A praia seria um bom destino. – respondeu-me calmamente o dono do bar.
- Não me chame de senhor. Você é mais velho do que eu, é estranho ser chamado de senhor por alguém mais velho.
Ele assentiu com a cabeça.
- Eu tenho uma filha – continuei – não a vejo há algum tempo. Ela não gosta muito de mim. No fundo ela tem seus motivos.
- Ah! Filhos... – resmungou o dono do bar, que agora já estava sentado, como se fôssemos velhos amigos. – Eles são assim mesmo. É só uma fase, coisa de filha. Não se preocupe.
-Não é só uma fase, ela realmente não gosta de mim. Mas eu não a julgo. O que me dói é que, em toda minha vida, a única coisa que eu tenho orgulho e que chegou a me dar a felicidade plena e pura, foi o nascimento da minha filha. É uma pena eu nunca ter sabido demonstrar isso a ela...
Não sei se era a bebida, ou o fato de eu estar há tempos sem conversar com alguém – minhas conversas raramente passavam dos necessários e já costumeiros cumprimentos – mas aquela conversa continuou por um bom tempo. O dono do bar era um cara legal. Pessoas legais e bares abertos no meio da noite são os tipos de coisas que deixam a vida um pouco melhor e mais aceitável. Quando fui embora já estava amanhecendo. Ajudei o homem que estava dormindo debruçado sobre a mesa a se levantar. Ele me agradeceu e saiu balbuciando algo incompreensível. Ainda não conseguia parar de me ver ao olhar a situação dele. Despedi-me do dono do bar e segui meu caminho. Ainda não tinha um destino certo, mas a viagem estava boa.
Em certo ponto do caminho, parei e liguei para minha filha. Ela estava bem e pareceu surpresa com a minha ligação. Eu não sabia muito bem o que dizer, nunca tive algo como uma conversa de pai e filha com ela. A conversa fluiu bem e conversamos por alguns bons minutos. Ela me perguntou se, e quando, eu iria vê-la, e eu respondi quase que automaticamente que iria visitá-la dentro de algumas semanas. Ela me pareceu feliz com a notícia. Ela disse que seria bom que eu finalmente conhecesse o meu neto. “Meu neto” eu pensei, “há tanto tempo que eu não conversava com a minha filha que até tinha me esquecido que eu já sou avô” Concordei que seria mais do que bom que eu finalmente conhecesse meu neto. Pedi desculpas por ter demorado tanto para fazer isso. Despedimo-nos com um “até logo” e segui viagem.
  De repente, depois de uma ligação, eu me encontrava com um destino e achando a vida um pouco melhor. Às vezes um cara só precisa disso.