segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Atrasos da Vida


        
   Acordei mais cedo do que de costume naquela manhã. Era 5h00 de uma segunda-feira. Deitado na cama, percebendo o quão cedo era, me deixei envolver por pensamentos e só o que chegava até a minha mente era: "Por um milagre, os ônibus poderiam estar vazios hoje. Só por hoje, os jornais poderiam nos dar apenas boas notícias. Pelo menos hoje, eu poderia chegar no trabalho e fazer algo que me motivasse..." " - Que tal o seu aluguel? Ou então a escola do seu filho? Ou quem sabe, o seu plano de saúde? Não se esqueça também da prestação do seu carro, que você só usa aos domingos, mas mesmo assim paga R$ 500,00 de prestação! Isso é motivação o suficiente pra você?!" A figura que interrompeu meu pensamento e dizia tudo aquilo era estranha. Era como se minha mulher e meu chefe tivessem se tornado um só ser. Um ser agonizante e severo. Acordei assustado e só então percebi que eu tinha caído no sono novamente. Agora eu estava atrasado. Ótimo!
         Pelo menos eu parecia um pouco bem naquela manhã. Talvez

apenas com pouca perspectiva, um pouco sonolento, um pouco tonto. Pouco vivo.
        
Faltando dez minutos para eu sair de casa, levantei da cama, vesti a primeira roupa que estava ao meu alcance, fui ao banheiro, lavei o rosto, penteei o cabelo e por fim, escolhi qual máscara usar naquele dia. Naquele momento, parei para pensar: Por que usávamos máscara? Será porque nós simplesmente não nos importamos com o próximo a ponto de querer conhecer sua verdadeira face e a realidade por trás da máscara da satisfação escolhida por ele? Ou nós simplesmente não suportamos a realidade da vida?
         Parei de pensar. Estava atrasado demais para isso. Acho que os patrões devem gostar desse atraso todo. Assim não temos tempo para pensar no trabalho que temos e por que o fazemos. É bom para eles, que nós não tenhamos esses tipos de questionamentos, afinal, se nós tivéssemos, seria mais fácil de fazer o Seu João, que se aposentou semana passada, acreditar que ganhar um relógio de ouro após 35 anos fazendo a manutenção das máquinas da fábrica não era uma recompensa e um presente muito justo. Mas como o Seu João passou a vida atrasando-se, ele não percebeu isto. Bom, pelo menos agora ele tem um relógio de ouro, mesmo não precisando mais ver as horas, já que seu trabalho havia acabado.

         Eu estava ainda mais atrasado. Droga! Peguei minha máscara e saí, pensando em quantos anos ainda faltavam para que eu ganhasse o meu relógio de ouro.